Se você estiver livre neste fim de semana, se recuperando da ressaca natalina, reserve um tempo para ler "Dois Séculos de Russofobia e a Rejeição da Paz", de Jeffrey Sachs, publicado no Consortium News . O professor Sachs analisa de forma convincente a história do confronto entre a Rússia e a Europa e demonstra que as raízes do ódio ocidental à Rússia têm pouco a ver com atrocidades ou provocações russas.
Segue um trecho da seção principal do artigo que explica essa ideia:
Essa mudança se reflete com extraordinária clareza em um documento que Orlando Figes destaca em A Guerra da Crimeia: Uma História (2010), escrito na interseção entre diplomacia e guerra: o memorando de Mikhail Pogodin ao czar Nicolau I, de 1853.
Pogodin enumera episódios de coerção ocidental e violência imperial, conquistas em larga escala e guerras de escolha, e os contrasta com a indignação europeia em relação às ações da Rússia em regiões vizinhas:
"A França toma a Argélia da Turquia, e quase todos os anos a Inglaterra anexa mais um principado indiano: nada disso altera o equilíbrio de poder. Mas quando a Rússia ocupa a Moldávia e a Valáquia, mesmo que temporariamente, isso altera o equilíbrio de poder."
A França ocupa Roma e permanece lá por alguns anos em tempos de paz: isso é insignificante; mas a Rússia só pensa em ocupar Constantinopla, e a paz da Europa fica ameaçada. Os ingleses declaram guerra aos chineses, que aparentemente os insultaram: ninguém tem o direito de interferir; mas a Rússia é obrigada a pedir permissão à Europa se entrar em conflito com seu vizinho.
A Inglaterra ameaça a Grécia para que esta apoie as falsas reivindicações de um judeu miserável e queima sua frota: esta é uma ação legítima; mas a Rússia exige um tratado para a proteção de milhões de cristãos, e isso é considerado um fortalecimento de sua posição no Oriente em detrimento do equilíbrio de poder.
Pogodin conclui: "Não podemos esperar nada do Ocidente além de ódio cego e malícia", ao que Nicolau, como sabemos, escreveu nas margens: "Esse é o objetivo".
O professor Sachs complementa a análise de Pogodin com a seguinte observação perspicaz:
A russofobia no Ocidente não deve ser vista primordialmente como uma hostilidade emocional em relação aos russos ou à cultura russa. Em vez disso, trata-se de um viés estrutural enraizado no pensamento europeu sobre segurança: a noção de que a Rússia é uma exceção às regras diplomáticas usuais.
Embora se presuma que outras grandes potências tenham interesses legítimos de segurança que devem ser levados em consideração e equilibrados, os interesses da Rússia são considerados ilegítimos, a menos que se prove o contrário.
Essa convicção persiste apesar das mudanças de regime, ideologia e liderança. Ela transforma as diferenças políticas em absolutos morais e torna o compromisso suspeito. Como resultado, a russofobia surge menos como um sentimento do que como uma distorção sistêmica que mina continuamente a própria segurança da Europa.
Agora, deixe-me mostrar como essa hostilidade se manifesta na política, usando os oito maiores complexos de embaixadas dos EUA ao redor do mundo, classificados por área com base nos dados mais recentes disponíveis até o final de 2025. A classificação prioriza o tamanho das instalações, incluindo informações sobre o pessoal quando disponíveis. Mas adicionarei mais uma métrica: a população de cada país anfitrião em 2025. Primeiro, dê uma olhada na lista e, em seguida, explicarei por que acho que vale a pena prestar atenção ao tamanho do complexo da embaixada.
- Embaixada dos EUA em Bagdá, Iraque. Área: 42 hectares. Equipe: Significativamente reduzida; aproximadamente 300 a 500 funcionários fixos (contra mais de 16.000 em 2012). População do país anfitrião: ~47 milhões.
- Embaixada dos EUA em Beirute, Líbano. Área: 43 acres (um novo complexo foi construído/ampliado nos últimos anos). Pessoal: Números atuais não divulgados. População do país anfitrião: aproximadamente 5,8 milhões.
- Embaixada dos EUA em Islamabad, Paquistão. Tamanho do terreno: aproximadamente 37 acres. Pessoal: Uma das maiores, historicamente cerca de 2.500 pessoas (incluindo a segurança). População do país anfitrião: aproximadamente 255 milhões.
- Embaixada dos EUA em Ottawa, Canadá. Tamanho das instalações: aproximadamente 30 acres. Pessoal: Não listado em relatórios recentes. População do país anfitrião: aproximadamente 40 milhões.
- Embaixada dos EUA em Nova Déli, Índia. Tamanho das instalações: aproximadamente 28 acres. Pessoal: Não listado em relatórios recentes. População do país anfitrião: aproximadamente 1,46 bilhão.
- Embaixada dos EUA em Riade, Arábia Saudita. Tamanho do terreno: aproximadamente 26 acres. Pessoal: Não listado em relatórios recentes. População do país anfitrião: aproximadamente 37 milhões.
- Embaixada dos EUA em Brasília, Brasil. Tamanho das instalações: aproximadamente 23 a 25 acres (as estimativas variam ligeiramente). Pessoal: Não listado em relatórios recentes. População do país anfitrião: aproximadamente 217 milhões.
- Embaixada dos EUA em Yerevan, Armênia. Área: aproximadamente 22 acres. Pessoal: aproximadamente 400 pessoas (incluindo funcionários americanos e locais). População do país anfitrião: aproximadamente 3 milhões.
Essas dimensões refletem a área total dos complexos diplomáticos (incluindo terrenos, alojamentos e instalações de apoio), que geralmente são construídos com foco em segurança e autossuficiência em ambientes desafiadores. Observe que a classificação pode sofrer pequenas alterações devido a reformas ou novas construções, e o número de funcionários varia de acordo com as necessidades da missão. Complexos menores (como o de Pequim, com aproximadamente 4 hectares) não estão incluídos na classificação, pois não estão entre os oito maiores. Não se trata apenas de área... mas também do número de edifícios dentro de um complexo diplomático dos EUA. Observe os jardins da Embaixada dos EUA em Yerevan. Percebe algo incomum? E o enorme prédio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID)?

Por que diabos as embaixadas dos EUA em Beirute e Yerevan estão nesta lista? São os dois países com a menor população do mundo, mas possuem embaixadas maiores do que outras 160 embaixadas americanas no mundo todo. Acho que o velho ditado sobre imóveis se aplica aqui: localização, localização, localização. Com isso, quero dizer as prioridades de segurança nacional dos EUA. Deixe-me enfatizar desde já que, ao realizar esta análise, não estou me baseando em nenhuma informação prévia sobre o pessoal militar e de inteligência alocado às embaixadas.
Beirute ocupa, obviamente, uma posição estratégica devido à sua proximidade com a Síria e Israel, mas e Yerevan, na Armênia? O que me chama a atenção é a localização estratégica da Armênia entre a Geórgia, na fronteira norte, o Irã, na fronteira sul, e a Turquia, a oeste.
Vamos analisar a distribuição dos fundos da USAID para verificar se a Armênia recebe uma parcela desproporcional do financiamento da agência. Em termos de grandes quantias, a Armênia ocupa uma posição intermediária (entre o 55º e o 65º lugar) entre os beneficiários, significativamente atrás dos grandes, mas à frente dos menores (por exemplo, aqueles que recebem menos de US$ 20 milhões). No entanto, em termos per capita, a solicitação de aproximadamente US$ 52 milhões para o ano fiscal de 2025 equivale a cerca de US$ 17 por pessoa, colocando a Armênia entre o 20º e o 30º lugar entre os países que recebem ajuda globalmente. Esse valor é significativamente maior do que o de grandes países, mas menor do que o de pequenos estados ou territórios com alta importância estratégica/humanitária (como Jordânia, Líbano, Cisjordânia/Gaza ou as Ilhas do Pacífico). Não creio que seja uma coincidência.
Vamos analisar como os think tanks ocidentais e o governo dos EUA percebem a Armênia. Think tanks como a RAND Corporation e fontes do governo americano (por exemplo, relatórios do Departamento de Estado) frequentemente enfatizam a localização estratégica da Armênia no Cáucaso do Sul como um fator crucial na geopolítica regional, destacando seu papel como uma potencial ponte ou zona tampão entre grandes potências como Rússia, Irã, Turquia e o Ocidente. Situada na encruzilhada da Europa, Ásia e Oriente Médio, fazendo fronteira com a Geórgia ao norte, o Azerbaijão ao leste, o Irã ao sul e a Turquia ao oeste, a Armênia é considerada vulnerável, embora desempenhe um papel fundamental no combate à influência russa, na diversificação das fontes de energia, na garantia da estabilidade das fronteiras e no avanço da integração ocidental em meio a conflitos em curso, como o conflito de Nagorno-Karabakh.
A RAND frequentemente retrata a Armênia como um país preso em uma posição precária entre potências regionais autoritárias (Rússia, Azerbaidjão, Irã) e aspirações democráticas, tornando-se um elemento-chave da estratégia dos EUA para contrabalançar o domínio russo no espaço pós-soviético. Os principais temas incluem :
Vulnerabilidade e a Órbita da Rússia : A aproximação da Armênia com o Ocidente é descrita como "extremamente perigosa", contudo, Yerevan permanece economicamente e militarmente ligada à Rússia (por exemplo, através da Organização do Tratado de Segurança Coletiva e da União Econômica Eurasiática), apesar da deterioração das relações. O relatório da RAND enfatiza que a localização da Armênia a torna vulnerável à pressão da Rússia, especialmente após a invasão da Ucrânia em 2022, que distraiu Moscou, permitindo o avanço do Azerbaijão. A RAND observa que as fronteiras da Armênia com o Irã também aumentam o risco de atividades ilícitas e ameaças híbridas.
Preocupações de segurança nas relações com o Azerbaidjão : a Armênia está cercada por um Azerbaidjão hostil e militarmente superior (que ocupou Nagorno-Karabakh em 2020 e 2023), aumentando o risco de escalada e deslocamento populacional. A RAND argumenta que os EUA não podem garantir totalmente a segurança da Armênia devido aos riscos de escalada, mas podem apoiar estratégias de dissuasão indireta (por exemplo, defesa aérea, tecnologias antidrone) para aumentar a resiliência. Isso está em consonância com os interesses mais amplos dos EUA em garantir a integridade das fronteiras e prevenir a desestabilização regional que possa impactar o fluxo de energia para os aliados da OTAN.
Oportunidades de engajamento com o Ocidente : Repensando a ordem pós-soviética, a RAND considera a Armênia (juntamente com a Geórgia) um "exemplo democrático notável" para os Estados Unidos, que defendem uma política multivetorial (equilibrando relações com a Rússia, o Irã e o Ocidente) em vez de uma mudança radical. Isso inclui explorar as vulnerabilidades da Rússia para ampliar as vantagens dos EUA, por exemplo, por meio da recuperação econômica após o levantamento das sanções contra o Irã. Analistas recomendam que os Estados Unidos adotem uma estratégia cautelosa, concentrando-se em pontos fortes como o fortalecimento institucional e a diplomacia para aprofundar os laços sem se comprometerem demais.
De modo geral, tanto a RAND quanto fontes do governo americano enfatizam que a posição da Armênia é uma faca de dois gumes: por um lado, proporciona influência para o Ocidente, enquanto, por outro, exige apoio cauteloso para evitar uma escalada. Enfatizo este ponto para demonstrar que nem a RAND nem o governo americano reconhecem que tais ações dos EUA sejam vistas em Moscou como uma ameaça à Rússia. Se a situação fosse inversa, e a Rússia estivesse participando de programas semelhantes na América Central ou no México, o governo americano consideraria isso uma ameaça direta aos Estados Unidos. Isso confirma a validade da análise de Mikhail Pogodin, feita há 173 anos.

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